domingo, 15 de novembro de 2015

A alma e a lama de um rio


A alma e a lama de um rio
 
PDF 424
 
 
A natureza com espelho de uma sociedade.
 


 
Um dito antigo e popular, diz que uma pessoa não é a mesma ao tomar banhos, em momentos diferentes, em um mesmo rio. E da mesma forma o rio também não é o mesmo, a cada momento que uma pessoa volta a tomar banho, em um mesmo rio. Momentos diferentes, estabelecem novas pessoas a cada momento. E a agua que corre em um trecho, em um pedaço de rio, já passou por outros trechos e outras pessoas. Passou por cidades e acontecimentos, são novas aguas a cada instante.

E por fim as aguas de um rio, banhadas ou não, em um momento elas chegam ao mar. É o destino dos rios. E é por todos os componentes minerais, carreados das terras por onde passam os rios, que o mar se torna salgado, uma aglomeração de sais carreados das terras. Um dia na história do Brasil, sertanistas e exploradores, descobriram um rio e o batizaram de Doce. Rio que serviu de estrada para o mar, a partir das Minas Gerais. Terra do nariz comprido, o mapa lembra um rosto de perfil, com o nariz comprido. Ao longo de suas margens muitos já tomaram banhos, e muitos lavaram suas almas e suas roupas. E o rio levou histórias da sua nascente, dos seus afluentes, e do seu percurso, até o mar capixaba.

Com o velho truque de convencimento da superação, da saída do Terceiro Mundo, o país, passou a explorar o seu conteúdo, nas suas margens e à sua volta. E com minério de ferro a preço de ninharias, por ser um produto não beneficiado e não industrializado, o Brasil encheu navios graneleiros, abastecendo o mundo. A promessa de um novo Brasil pela exploração dos seus recursos minerais. Depois chegou a história de agregar valor, novas promessas e novas ideias, o incessante e inatingível incansável desenvolvimento. A velha mentira. E o Velho truque da dominação simbólica *.

Uma mineradora em busca de lucros estabeleceu-se ali, em nome do desenvolvimento. E denominou-se companhia mineradora do vale do Rio Doce. O rio que era calmo e doce se deixou ser explorado. Uma estrada de ferro foi criada em direção a Vitória/ES, onde o minério seria embarcado. Ferrovias em direção ao Rio de Janeiro, também levaram o minério em direção a portos. E em Volta Redonda uma siderúrgica foi criada, a meio caminho do minério e meio caminho do combustível de seus fornos e suas caldeiras. Um ponto estratégico de segurança nacional, a denominada Cidade do Aço.

Novas almas foram lavadas nas aguas daquele rio. As almas dos donos das mineradoras em nome do desenvolvimento. Almas de multinacionais, almas de transportadores terrestres e marítimos. Almas de outros povos do outro lado do mundo. Usufruíram de produtos denominados de bens duráveis, em nome de um expurgo. Transformaram o minério de ferro em chapas de aço. Construíram carros, ônibus e caminhões; fogões, freezers e geladeiras. Criaram um conforto de transporte e no lar. As sujeiras das almas lavadas, surgiram em forma de lama.

E o Rio que era Doce, ou que não era, acabou-se. Uma represa de rejeitos minerais rompeu-se junto com o rompimento da confiança no governo atual. Lamas foram reviradas, rompidas e descobertas. Até então estavam escondidas e armazenadas. Uma avalanche de almas e de lamas, seguiu o curso do rio em direção ao mar. Na tentativa de cumprir seu ciclo, da água, e renovar.

O litoral será afetado pelos depósitos de detritos ao logo da faixa costeira. E o mar será afetado mudando o comportamento de animais marinhos, que deverão mudar suas rotas de migrações, causando prejuízos a fauna e a flora, e acontecimentos inesperados, não calculados.

A natureza trama silenciosamente suas revoltas e suas manifestações, depois de longos anos sendo agredida e modificada, pelas mãos dos homens em busca de lucros, com o que retiram da terra, com objetivos únicos do lucro. A natureza com espelho de uma sociedade.


 Texto disponível em:


 

Em 15/11/15

Entre Natal/RN e Parnamirim/RN

 

por
Roberto Cardoso (Maracajá)
Reiki Master & Karuna Reiki Master
Jornalista Científico
FAPERN/UFRN/CNPq
 
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